Por Samara Bassi
Já era inverno
naquele vilarejo onde o vento arejava as saias tagarelas das donzelas e o céu,
vestido de açúcar caramelizado, escorria frente aos olhares do seu povo.
Por certo que não
existia tempo nem temporal mais festivo quando era a vez das nuvens da
respeitada dona Maria Mole trovejarem o seu doce em paladares de saliva
açucarada. Isso quando a neve não era mousse escorrendo montanhas perfumadas,
perfumando os caminhos quase sem querer.
Todo fim de tarde
era assim e Amóra, que já ia se assanhando no compasso pra fazer bagunça com
retalhos, deslizava as tranças do seu cabelo cor de milho como quem tece
brincadeiras inventadas pra ter desculpas de verdade no sorriso que nunca quis
partir.
Escorregou a
ladeira na sua bala de goma cor de beijo, cantando e contando histórias que
sempre ouvia por aí.
— Ainda bem que
aqui a invenção é história de verdade. Pois mentira, amiguinho, é realidade
inventada pro faz de conta valer à pena, de verdade!
Já escurecia e as
estrelas eram vagalumes que de dia, vagavam entre os campos e de noite,
pirilampos grampeados, pendurados num trapézio.
Sentou-se então
junto às joaninhas sabor de framboesa e foi lá que se (des)encantavam com
histórias de quadrinhos de um mundo à fantasia, onde o céu era azul(ejado)
pelas janelas dos grandes prédios com nuvens de fumaça, pessoas eram robôs e
chuva era água de choro que a terra vertia por não poder florir em paz.
[passarinho era
ladrão (?) já que vivia engaiolado mas, se gaiola não é vitrola (?) ... ]
— Confuso esse
mundo que inventaram pra gente acreditar em (des)conto de (almo)fadas, onde de
pouco em pouco se vive pela metade.
Resmungou.
E saiu,
acompanhada por grilos falantes com quem conversava enquanto as cigarras
tocavam suas violas, chegando sempre à mesma (e falsa, mas real) conclusão de
que mundo perfeito é só aquele em que a gente vive. E nossa verdade é sempre
absoluta, estando acima sempre de qualquer outra “mentira” que pro outro, será
sempre a sua única e incontestável verdade, também.
SAMARA BASSI é
paulista apaixonada pela cultura e pela arte em todas as suas formas de
acontecer, pelas suas nuances de ser e de estar no mundo. Sinestésica por
natureza, teima em atravessar janelas do olhar alheio para degustar o sabor das
íris e tatear sentidos, na busca do mínimo entendimento do mundo e daquele tão
interno quanto surpreendente, universo de cada um. Escreve para clarear suas
verdades, num encher-se, transbordar e esvaziar constante. Embrulha uns versos
numa mão e na outra, versos alheios, porque o particular se compõe desse
enlaçar diverso e surpreendente do ao redor. Se pinta de poesia e nos lábios,
leva alguns poemas para não “viver de poucas alegrias”.
Copyright 2013 (c) - Todos os direitos reservados à autora. Esta obra é parte da coletânea 15 Contos+ Volume II, Helena Frenzel Ed. e está licenciada sob uma Licença Creative Commons 2.5 Brasil. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.
Pensei muito em como me expressar para comentar este conto de Samara Bassi. Tal fato tem uma explicação muito simples: ele é diferente.
ResponderExcluirMuitos que me conhecem, sabem de minha admiração pela autora, e podem pensar que aquilo que eu deixar dito aqui estará ligado a essa admiração, mas afirmo que não.
Muitos autores ficam presos demais a um único estilo, o que acaba fazendo com que criem um certo preconceito para com outros gêneros. Basta ler o prefácio desta coletânea. O Sérgio Carmach mostrou de forma precisa o que penso.
A Samara utilizou uma linguagem completamente nova, onde ela, no meu entendimento, tem uma facilidade imensa para criar. É uma linguagem lúdica, mas ao mesmo tempo carregada de lirismo e, também, algo psicodélico.
A autora brinca com situações e cenários que muitos autores consagrados não ousariam fazer. E o resultado é um enredo que por não ser preciso, permite ao leitor montar da forma que ele quiser em sua forma de enxergar.
Samara é uma especialista nessa linguagem utilizada aqui, mas sempre o fez de forma mais curta, usando mais a síntese. Poucas foram as vezes que a vi se aventurar por textos mais longos, e me alegro muito em ser um entusiasta dela para que seus textos criassem mais volume. Até que aconteceu.
O resultado é este acima, um texto fantástico com uma construção que dará o que pensar e aplaudir num futuro muito próximo.
Quem acompanha a autora em seu blog e já conhece seu trabalho, já aplaude a muito tempo.
Fantástico, Sam. Aplausos.
Marcio
Um dos melhores contos que já li por aqui. Adoro esse estilo que brinca com as metáforas, permitindo soltar nossas asas da imaginação e entrar na história. Imaginar... Parabéns autora, lindo trabalho!
ResponderExcluirMarcio, você sempre com sua visão detalhista, expõe com propriedade seu ponto de vista e recebo-o sempre como um elogio.
ResponderExcluirÉ muito gostoso sentir que palavra nossa faz uma certa "cosquinha" no riso de alguém, no pensamento e pode transformar sempre o nosso dia, mesmo que por instantes.
Marcela, muito obrigada.
Abraços, flores e estrelas...
Sam.
O "mundo perfeito é só aquele em que a gente vive" nas fantasias, na realidade de nossos dias... como Samara tão bem saracoteou com as palavras, nos mostrando essa viagem, num desenho delicioso do quadro que criou - e nos permitiu ver, assistindo as cenas tecidas com a magia de quem empresta seu olhar aos detalhes que contam os (des)encontros, encantando a alma de quem embarca na narrativa aventureira...
ResponderExcluirMarcio disse tudo, e Samara, escreveu tudo.
Beijo, querida e doce menina!
Que feliz notícia! Que delícia de conto esse da Samara. A Samara eu acompanho já há algum tempo e cada dia que passa, cada vez que a leio, me preencho dessa simplicidade e dessa versatilidade que compõe a sua escrita. Ela sabe bem como misturar um toque de puerilidade, com magia e de forma cativante. Uma das poucas pessoas, na minha opinião que além de tudo, sabem usar as metáforas como ninguém. Lindo!
ResponderExcluirParabéns pelo projeto, Helena.
Eliane Dias.